Teoria dos litígios coletivos (Edilson Vitorelli)
- concursosmpraiz
- 31 de jul. de 2019
- 4 min de leitura
Olá amigos visitantes do Blog MP Raiz!
A prova objetiva do último concurso do MPMG (2018) tangenciou, numa das assertivas de uma das questões, a interessante distinção entre litígios de difusão global, litígios de difusão local e litígios de difusão irradiada.
Trata-se de bela teoria trabalhada pelo Procurador da República Edilson Vitorelli Diniz Lima em sua monumental tese de doutorado junto à UFPR “O Devido Processo Legal Coletivo: Representação, Participação e Efetividade da Tutela Jurisdicional” (as páginas indicadas entre parênteses são de citações da tese).
Além de o jurista ser mineiro, e atualmente professor da Rede LFG, a obra é muito, muito, muito boa, tendo sido bastante e merecidamente festejada pelo Prof. Fredie Didier Jr. no volume 4 de sua coleção de Processo Civil, dedicada ao Processo Coletivo (Editora Juspodivm). Então, conhecer ao menos os principais pontos pode render alguma notinha extra no certame do MPMG (bem como em outros, principalmente nas fases discursiva e oral, destacando-se que o autor é membro do MPF), além de enriquecer muito a cultura jurídica do candidato.
Edilson Vitorelli aponta que a classificação dos direitos em difusos, coletivos e individuais homogêneos, depois de 30 anos de aplicação, se mostra:
i) doutrinariamente controversa;
ii) aplicada de modo inconsistente pelos Tribunais (uma pesquisa de jurisprudência mostra que, não raro, as expressões “direitos difusos”, “direitos coletivos” e “direitos individuais homogêneos” tem sido utilizada de maneira surpreendentemente atécnica, fora do contexto das definições trazidas pelo CDC);
iii) pouco significativa para a condução dos processos coletivos (vale dizer, os legitimados ativos conduzem da mesma forma tanto os processos relativos a direitos difusos, assim como os que versam sobre os coletivos e sobre os individuais homogêneos);
iv) insuficiente para refletir com precisão todos os litígios relacionados a esses direitos, sendo que a “padronização” traz os riscos de dedicar recursos desnecessários a casos simples, ou simplificar indevidamente casos complexos, ou suprimir indevidamente divergências sociais legítimas.
Afirma o autor que é inadequado classificar os direitos em abstrato. O ponto de partida deve ser concreto, ou seja, a situação litigiosa. Isso porque, conforme o autor “Os direitos transindividuais, enquanto íntegros, não compõem o patrimônio de pessoas específicas, não têm valor econômico, não podem ser transacionados ou apreendidos individualmente, nem usufruídos em cotas” (p. 75). Além disso, “[...] a intensidade com a qual os indivíduos são atingidos por sua lesão é empiricamente variável” (p. 75). Assim, propõe dois indicadores, cuja variação pode pautar uma classificação de litígios (e não de direitos) coletivos:
i) conflituosidade: é o grau de desacordo entre os membros do grupo acerca de qual seja a melhor solução para o caso. “[...] é um elemento que deve ser avaliado a partir da uniformidade das posições dos integrantes da sociedade em relação ao litígio” (p. 76). Há casos de menor e maior conflituosidade dos interessados entre si (e não com a parte contrária), afinal “Como as pessoas tendem a preferir soluções que favoreçam a suas próprias situações, a diversidade de impactos fará com que elas passem a divergir entre si acerca de qual o resultado desejável do litígio” (p. 76);
ii) complexidade: é o grau de variabilidade das possibilidades de tutela do direito material litigioso. Em algumas situações é fácil saber como tutelar o direito material. Uma cobrança indevida, por exemplo, geralmente se resolve com a restituição dos valores, devidamente corrigidos. Num oposto extremo, cite-se como exemplo o desastre ambiental da barragem de Mariana/MG (que ocorreu após a publicação da obra, mas é citada pelo professor em suas aulas na Rede LFG, que, junto com a própria tese, serviram de base para a produção do presente texto), cuja solução é extremamente complexa. Só para ter uma ideia, um magistrado determinou que a Samarco impedisse que a lama chegasse ao mar, e outro determinou que a empresa facilitasse o escoamento do material para o oceano...
Com base nesses indicadores, Edilson Vitorelli propõe uma classificação em três tipos de litígios coletivos (e não de direitos coletivos, reforce-se):
i) litígios globais: decorrem de uma lesão que atinge um grupo, mas cada um de seus integrantes sofre em medida muito reduzida seus efeitos. Vale dizer, cada impacto individual é muito pequeno. Assim, tais litígios “[...] existem no contexto de violações que não atinjam, de modo particular, a qualquer indivíduo” (p. 99). Os litígios globais, por isso, têm baixa conflituosidade, mas são variáveis em sua complexidade: questões consumeristas costumam ser simples; questões ambientais podem ter impacto individual pequeno (ex.: a extinção de espécies é algo que, embora sempre indesejável do ponto de vista macro, causa pouco impacto direto na vida das pessoas) e resolução complexa;
ii) litígios locais: a lesão atinge o grupo com grande impacto individual sobre seus integrantes, os quais têm um laço de solidariedade entre si. Esse nível de solidariedade faz com que o grupo tenha interesse comum na solução do litígio, embora nem todos possam concordar. Nesses litígios, a conflituosidade é média. A complexidade também é variável, mas tende a ser mais alta. Ex.: extração de minérios em território indígena.
iii) litígios irradiados: a lesão atinge um grupo de formas e intensidades distintas entre seus integrantes, os quais não possuem nenhuma solidariedade entre si. Cada subgrupo sofre de um jeito; cada um pretende uma reparação. Essa ideia rompe com a noção, corrente na doutrina brasileira, segundo a qual, nos direitos difusos, a proteção de um interessado acarreta, ipso facto e na mesma medida, a proteção de todos os outros. Esses litígios são marcados por alta complexidade e alta conflituosidade. O desastre de Mariana, mais uma vez, é um excelente exemplo de litígio irradiado.
Assim, em resumo:
“Com essa conceituação, perde relevância a distinção entre direitos difusos e coletivos. Tanto uns quanto outros poderão ser enquadrados em quaisquer das três categorias, de acordo com o perfil da lesão e o tipo de sociedade à qual o direito lesado pode ser atribuído” (p. 100).
Em conclusão amigos, o próprio Prof. Vitorelli mencionou, em suas aulas no cursinho LFG, as quais eu tive a honra de acompanhar e utilizar como base para essa postagem, que o livro dele não foi desenvolvido para concursos (o que é natural, tratando-se de uma tese de doutorado). Entretanto, de tão boas que são suas ideias, elas já começam a ser cobradas em algumas provas. Então, ainda que eventualmente não haja tempo disponível para ler a obra toda (e recomendo, para quem tiver essa possibilidade: são 700 páginas de conteúdo excepcional – eu ainda não consegui terminar, hehehehe, mas pretendo) vale a pena conhecer os principais pontos.
Abraços a todos e bons estudos!
Paulinho
Bom dia! Há possibilidade de compartilhar a tese de doutorado do Prof. Vitorelli (700 páginas) por este site? Gostaria de fazer a leitura.