Justiça Para Ouriços
- concursosmpraiz
- 19 de ago. de 2019
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No âmbito do estudo da colisão entre normas constitucionais, embora polêmica na teoria jurídica contemporânea, é amplamente majoritária no campo doutrinário e jurisprudencial, tanto no Brasil quanto no Direito Comparado, a afirmação de que as normas constitucionais podem colidir entre si.
No entanto, há na literatura de teoria constitucional e de filosofia do Direito diversas posições que negam a existência de conflitos entre normas constitucionais, dentre as quais citam-se a categorização, a teoria interna dos direitos fundamentais, o juízo de adequação e a “justiça para ouriços”. Todas as posições são complexas e merecem atenção especial em outro momento, pois o presente texto se aterá somente e, de maneira superficial, à “justiça para ouriços”, proposta hermenêutica de Ronald Dworkin.
O jusfilósofo norte-americano parte da afirmação de que se as normas constitucionais forem interpretadas de forma coerente com os valores morais que melhor justificam a trajetória político-constitucional de um Estado, elas jamais entrarão em conflito.
A proposta de Dworkin é de unificar o Direito, a Moral e a Ética, em torno de um mesmo ideário, recusando compromissos pluralistas, contrapondo o que denominou de ““justiça para ouriços”” da “justiça para raposas”.
Utilizou-se da seguinte citação do dramaturgo grego Arquíloco: “a raposa sabe muitas coisas, e o ouriço sabe uma só, mas o que o ouriço sabe é muito importante”. Dessa forma, na “justiça do ouriço”, todas as normas se orientam para a realização de uma determinada concepção do justo, tida como a única correta, na qual os diversos valores se compõem, convergindo harmonicamente.
Nesse contexto, para Dworkin, “valor” diz respeito ao modo de viver a partir da racionalização daquilo que se deve ou não fazer. Defende que os valores são interdependentes, mas existe unidade de valor ao menos nas questões ética e moral.
Destaca-se trecho da resenha da obra com título original “Justice of Hedgehogs” elaborada por Tiago Brene:
“Dworkin sustenta a existência de verdades objetivas sobre o valor. Trata-se de uma compreensão diretamente oposto da ideia de que os valores expressam compromissos ou preferências. Isso porque, para Dworkin essas preferências, concessões ou mesmos compromissos, tem em foco apenas a vida privada e negligenciam a vida política. A distinção, no campo político, por exemplo, está em que tanto o governante quanto o cidadão participativo em uma democracia, não pode optar por uma teoria de justiça com base naquilo que lhe agrada, mas sim, com base naquilo que acredita que é realmente verdadeiro.” (in DWORKIN, Ronald. “justiça para ouriços”. Tradução de Pedro Elói Duarte. Coimbra: Almedina, 2012. Resenha de: BRENE, Tiago. Scientia Iuris. Londrina, v.19 n.2, p.235-237, dez.2014. DOI: 10.5433/1980-511X.2014 v18n2p235.)
Dessa forma, Dworkin realizou uma releitura de uma tese filosófica antiga, denominada de teoria da unidade do valor. Na versão dworkiniana, referida teoria fundamenta a afirmação de que as verdades sobre o que é bom ou sobre como viver além de serem coerentes, se apoiam reciprocamente, conformando os valores morais aos éticos, o que acarreta verdades objetivas a respeito do valor.
Nada obstante o brilhantismo da teoria da “justiça para ouriços” de Ronald Dworkin, vários autores tecem críticas acerca de sua aplicabilidade, especialmente no tocante ao risco de arbítrio judicial.
Dworkin reconhece que a tarefa de definição dos limites das normas constitucionais é de tamanha complexidade que só poderia ser levada a termo por juízes idealizados (juiz Hércules). Ocorre que essa idealização está verdadeiramente contraposta à realidade dos juízes.
Por fim, o conhecimento da “justiça para ouriços” de Dworkin é de extrema relevância para o estudo da interpretação constitucional, todavia não há aplicabilidade prática, a princípio, especialmente porque o fenômeno da colisão entre normas constitucionais é pacificamente aceito na doutrina e jurisprudência, e não se trata de algo incomum, sobretudo no quadro de constituições extensas, de natureza compromissória, e compostas por muitos preceitos positivados em linguagem aberta, como é o caso da Constituição Federal de 1988.
Kel
Referências:
DWORKIN, Ronald. “justiça para ouriços”. Tradução de Pedro Elói Duarte. Coimbra: Almedina, 2012. Resenha de: BRENE, Tiago. Scientia Iuris. Londrina, v.19 n.2, p.235-237, dez.2014. DOI: 10.5433/1980-511X.2014 v18n2p235
SOUZA NETO, Claudio Pereira de. SARMENTO, Daniel. Direito Constitucional: teoria, história e métodos de trabalho. 2ª ed. Fórum: 2017, p. 497/500.
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